A Ilegalidade da Exigência de Informações para a Ficha de Importação na Nota Fiscal Eletrônica Fere o Sigilo Comercial

20/3/2013 – Eduardo Marques Jacob é advogado do Brasil Salomão E Matthes Advocacia

Com o objetivo de por fim a guerra fiscal travada entre os Estados durante as últimas décadas, o Senado Federal editou a Resolução nº 13/12, estabelecendo a alíquota única de 4% para o ICMS incidente sobre a circulação interestadual de mercadorias importadas. Referida Resolução entrou em vigor em 1º de janeiro de 2013.
A norma alcança tanto as mercadorias importadas que, após seu desembaraço aduaneiro, não tenham se sujeitado a processo de industrialização quanto as mercadorias que, sujeitas a processo de industrialização, resultem em produto final com Conteúdo de Importação superior a 40%.
A Resolução nº 13/12 deixou de fora os bens e mercadorias importadas que não tenham similar nacional (cuja definição será feita por intermédio da lista a ser editada pelo Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior – Camex) e os bens produzidos em conformidade com os processos produtivos básicos de que tratam o Decreto-Lei 288 (Zona Franca de Manaus), os quais permanecem sujeitos às antigas alíquotas interestaduais, variáveis de acordo com cada um dos estados.
Por Conteúdo de Importação entende-se o percentual correspondente ao quociente entre o valor da parcela importada do exterior (valor da base de cálculo do ICMS-Importação) e o valor total da operação de saída interestadual da mercadoria ou do bem submetido a processo de industrialização (valor total da operação de saída interestadual, incluídos os tributos incidentes na operação própria do remetente).
Todavia, mais do que impedir a guerra fiscal, as disposições da Resolução nº 13/2012, e principalmente de seus atos regulamentadores, acabaram por avançar em delicado campo de direito dos contribuintes deste imposto, importadores ou não, quais sejam, o sigilo de informações comerciais, os segredos industriais e a livre concorrência.
Explicamos. Para tornar efetiva a aplicação da alíquota de 4%, seu controle e fiscalização, o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) editou o AJUSTE SINIEF 19/2012, o qual estabeleceu diversas obrigações aos contribuintes, das quais destacamos o preenchimento da Ficha de Conteúdo de Importação (FCI).

Dentre as informações constantes da FCI, exige-se: a descrição da mercadoria ou bem resultante do processo de industrialização; o código de classificação da Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM-SH; código do bem ou da mercadoria; código GTIN, quanto o bem ou mercadoria o possuir; unidade de medida, valor da parcela importada do exterior; valor total da saída interestadual; e o conteúdo de importação.
Mais ainda, o AJUSTE SINIEF 19/2012 determina que sejam informados na Nota Fiscal Eletrônica: o valor da parcela importada do exterior; o número da FCI e o Conteúdo de Importação. Com efeito, por disposição expressa do citado Ajuste, enquanto não forem criados campos próprios na Nota Fiscal Eletrônica, tais informações deverão ser informadas no campo “Informações Adicionais”.

Da forma como exigidas tais informações, impõem-se ao contribuinte do ICMS a abertura de dados sigilosos, expondo ao domínio público informações relativas aos seus fornecedores, margens de lucro e até a demonstração, ainda que indireta, de fórmulas industriais. Esta abertura de informações, além de dificultar a negociação com clientes, aniquila os princípios constitucionais da livre iniciativa, isonomia e legalidade.
De fato, o sigilo de tais informações e a citada livre iniciativa são protegidos pela Constituição Federal, os quais, somados aos princípios da isonomia e legalidade, consideram-se princípios basilares, alicerces do Estado Democrático de Direito, não podendo ser violados por lei, tampouco atos infralegais, como os Ajustes e Portarias.

Na mesma linha, o Código Tributário Nacional possui dispositivo que impede a Fazenda Pública de divulgar informações sobre a situação econômica ou financeira dos contribuintes e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, revelando-se tais exigências claramente ilegais e inconstitucionais.

Não por outra razão, empresas dos mais diversos setores econômicos têm ajuizado medidas judiciais contestando a exigência da divulgação dessas informações na Nota Fiscal Eletrônica, sendo que mais de 230 empresas já obtiveram medidas liminares favoráveis, livrando-as de tal obrigação.

A maior parte das liminares foram deferidas nos estados de Santa Catarina e Espirito Santo, localidades que concentram grande número de empresas atuantes no comércio exterior, devido as suas naturezas portuárias e de seus históricos de concessão de benéficos fiscais. Os principais argumentos do juízes focam-se no fato de que as informações exigidas na FCI não são de domínio público, ao contrário, são informações sigilosas das empresas, algumas delas especificamente protegidas pela Lei de Propriedade Industrial, além das já citadas proteções constitucionais.

Não obstante as liminares concentrarem-se nos estados de Santa Catarina e Espirito Santo, os fundamentos de tais decisões deverão ser seguidos por todo o Poder Judiciário, pois claras as violações ao direito líquido e certo dos contribuintes.
Importa salientar que o Estado de São Paulo, por intermédio da edição da Portaria CAT 174/2012, postergou para 1º de maio de 2013 a entrada em vigor da obrigação de se informar na Nota Fiscal Eletrônica as referidas informações; contudo, os contribuintes já podem pleitear junto ao Poder Judiciário, de forma preventiva, a desobrigação quanto ao cumprimento dessas inconstitucionais e ilegais exigências.

Eduardo Marques Jacob*
Advogado Associado ao escritório Brasil Salomão E Matthes Advocacia e Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributário – IBET.

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