Expansão Energética e Populações Indígenas: Regulamentação do tema pode ser um marco de segurança para as comunidades e os investidores do setor

24/6/2013 –

Por Erika Breyer*, sócia do Doria, Jacobina e Gondinho Advogados

Recentemente, assistimos o retorno da discussão sobre a questão indígena à pauta legislativa e aos noticiários. Conflitos fundiários no sul do país e ocupações de canteiros de obras na região norte por índios levaram o Governo Federal e as lideranças indígenas a, uma vez mais, buscarem uma oportunidade de negociação e entendimento sobre a regulamentação do tema no Brasil. Dentre os principais pontos está a regulamentação do art. 231 da Constituição Federal, o qual prevê a possibilidade de exploração de potenciais hidrelétricos em terras indígenas, desde que ouvidas as comunidades afetadas e, assim, autorizada pelo Congresso Nacional. Entretanto, indaga-se, ainda, como e quando esta oitiva deveria ocorrer e quem seriam os responsáveis.
A partir de 2004, algumas respostas foram dadas com a internalização no ordenamento jurídico brasileiro da Convenção OIT nº 169 sobre povos indígenas e tribais. A fim de garantir a efetiva participação destas populações em decisões que as afetem diretamente, a norma estabelece que as consultas sejam realizadas previamente a qualquer medida administrativa que venha a interferir no seu modo de vida, sem que haja qualquer tipo de coerção. Além disso, para que a consulta seja considerada válida nos termos da Convenção, é essencial a informação consistente e acessível para estas populações a respeito da futura interferência.
O maior desafio a ser enfrentado pelo Governo e pelos empreendedores do setor elétrico é que de todo o potencial hidrelétrico ainda não explorado, estimado em 250.000 MW, 70% está localizado em áreas social e ambientalmente sensíveis, como a Bacia Amazônica, onde vive 58% de toda população indígena identificada.
Estimulado em seguir os planos de longo prazo para garantir a segurança energética e a tão almejada modicidade tarifária, percebe-se, a disposição do Governo Federal para regulamentação do tema, uma vez que dos 19.673 MW provenientes de projetos hidrelétricos já previstos no Plano Decenal deEnergia para serem implantados no período 2017-2021, 16.089 MW afetam terras indígenas direta ou indiretamente.
Em termos comparativos, Itaipu, a maior produtora de energia elétrica do planeta,possui 14.000 MW de potência instalada total, com 20 unidades geradoras operando, um pouco menos dos 16.089 MW planejados. Com apenas uma das 20 unidades geradoras de Itaipu seria possível abastecer uma cidade de 1,5 milhão de habitantes. Com as perspectivas de crescimento econômico e a necessidade de reduzir o preço de uma das energias mais caras do mundo, a hidroeletricidade continua sendo a alternativa mais barata.
No entanto, grande parte das 505 terras indígenas existentes no país estão na Amazônia, a nova fronteira de expansão do setor elétrico, é essencial que as etapas de desenvolvimento dos estudos e a posterior implantação de tais empreendimentos considerem, de fato, a interferência nestas comunidades para garantir o menor impacto possível ao seu modo de vida.
Ocorre que, devido a experiências desastrosas no passado na construção de empreendimentos hidrelétricos à revelia e prejuízo dos povos indígenas, criou-se, paulatinamente, uma descrença e resistência por parte das comunidades indígenas a quaisquer medidas governamentais. Neste passo, outras iniciativas recentes, como a edição da Portaria AGU nº 303/2012, apenas reforçaram a desconfiança indígena. Tal ato foi objeto de pedido de revogação pela própria Associação Nacional dos Advogados da União que o considerou como “orientação jurídica flagrantemente inconstitucional”, uma vez que não observava direitos humanos fundamentais dos povos indígenas reconhecidos pela Constituição Federal.
Ademais, este cenário, conjugado à miscelânea de normas infralegais existentes no país e pretendentes ao tratamento do tema, contribui ainda mais para o ambiente de insegurança jurídica entorno da questão e, logo, afastam o investimento privado necessário ao desenvolvimento de projetos, considerados tão essenciais ao desejado crescimento econômico sustentável nacional.
Com efeito, diante deste legado das ações passadas, as negociações sobre a regulamentação da questão restam entravadas, não obstante a legítima pretensão atual de sua solução, como por exemplo, a instituição do Grupo de Trabalho para regulamentação do Direito de Consulta da Convenção OIT nº 169, com previsão de conclusão de suas atividades em janeiro de 2014.
Neste contexto, cabe frisar que, hoje, no Brasil, a exploração de potenciais hidrelétricos em terras indígenas é prevista na própria Constituição, sendo legítima e possível e, com a regulamentação dos processos de consulta, espera-se que esta atividade ocorra de forma menos conflituosa, respeitando os direitos e garantias previstas no art. 231, com a efetiva participação dos povos indígenas afetados e a segurança para empreendedores e operários.

Erika Breyer
É Mestre em Desenvolvimento Sustentável – Energias Renováveis pela University College London – UCL, e a responsável pela área de Energia e Sustentabilidade do Doria, Jacobina e Gondinho Advogados. Possui ampla experiência no setor de energia, onde atuou como assessora da Diretoria de Estudos de Energia Elétrica da Empresa de Pesquisa Energética – EPE, desde sua criação efetiva em 2005, tendo participado ativamente na elaboração da regulamentação do novo modelo de comercialização de energia do setor elétrico brasileiro. Foi assessora jurídica da Diretoria de Licenciamento Ambiental do IBAMA, mas sua carreira profissional começou na assessoria jurídica do Departamento de Meio Ambiente da Companhia Hidrelétrica do São Francisco – CHESF, quando participou do licenciamento das hidrelétricas e linhas de transmissão da empresa, bem como do Grupo de Trabalho de Legislação Ambiental do Comitê de Meio Ambiente do Setor Elétrico – COMASE. É pós-graduada em Regulação do Setor Elétrico pela Fundação Getúlio Vargas e co-autora do livro “A questão socioambiental no planejamento da expansão da oferta de energia elétrica”, Rio de Janeiro.

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