Há espaço para vocação nos concursos públicos?

São Paulo 21/2/2020 – Não projete o “macro no micro”

Vocação. Esta é uma palavra que gera um desconforto imenso em qualquer pessoa quando pronunciada, inclusive para a grande maioria dos concurseiros. Muitas pessoas passam pela vida sem descobrir qual sua verdadeira vocação.

No ramo dos concursos, a reportagem convidou o Professor Felipe Duque para falar sobre o tema.

Em geral, os concursos são atrativos pela estabilidade, remuneração ou a sensação de segurança. Como se dá a busca pela vocação nos estudantes?

FD: É um tema interessante e há uma grande preocupação aqui. É justo que o estudante almeje esses fatores. Mas, claramente deve ser feita uma junção com a vocação, associado ao que vem depois.

Agora, o “x” da nossa geração é de como essa vocação é buscada. Há pessoas que desejam buscar a vocação antes de começar os estudos.

Bacana, se já mora um chamado em você, excelente! Mas acredito, que a vocação será encontrada no caminho. É que enquanto a “ciência classifica, a realidade vivifica”. Foi essa a conclusão de Goethe ao dizer que “toda teoria é cinza, mas verde é a árvore dourada da vida”. Logo, é possível que você ser permita desenvolver, lapidar, virar do avesso a vocação. Ao mesmo tempo que estudo, boa me abrindo a buscá-la, sob pena de me fechar durante o processo de estudos…

Como se desenvolve a vocação?

FD: Acredito que o significado é formado pelas nossas experiências ou pelas histórias que nos contam. Nas histórias, o cuidado é que devemos ponderar de quem as ouvimos, e até que ponto você deve creditar para que não haja um há risco real de ilusão, de romantizarmos muito algo que, na verdade, é simples.

É que, naturalmente, crescemos caminhando sobre uma esteira de expectativas, anseios, crenças, modelos e “certezas” dos outros. Recuperar nossa capacidade de enxerga o mundo passa por nos questionar sobre as “certezas” que nos foram ensinadas e as “certezas” que entendemos que são nossas.

Quanto às experiências: não projete o “macro no micro”.

Lembro, conversando isso com os estagiários na Procuradoria. Não é porque você vivenciou trabalhar na Procuradoria do interior de SP que você conhece toda a realidade, áreas e funções do órgão. Pois, às vezes, devido a pequenas experiências prejulgamos “o todo”. Em geral, o leque de matérias, opções e vivências são bem maiores do que a pecha: “não gosto de Tributário, nunca serei Procurador”. Nossa, se soubessem o tanto de oportunidades que existem muito além dessa matéria num órgão como a Procuradoria. E isso serve para todas as carreiras.

E uma vez definida a vocação é só seguir?

FD: Seguir atento ao aprendizado e o crescimento pessoal que decorrem das experiências da vida no mundo vão dando mais “sustância” à vocação. Mais agarramento à existência. Você vai se desfazendo daquelas vozes, que formataram sua cabeça. “Eu quero isso realmente pelas aparências, histórias, status ou realmente porque eu acredito. Ou é pela oportunidade. Ou melhor, qual é o valor essencial que me faz perseguir essa carreira”?

E aí, você pode descobrir que talvez sua vocação seja a flexibilidade, a adaptação. Que você ama o Direito, que você vê relevância em todas as funções, sabe? Eu tenho um respeito e admiração por todas as carreiras, disciplinas…

Veja a história do meu irmão, João Duque, hoje, completamente realizado como Defensor Público, e ele estudava para Procurador comigo. Numa mudança brusca, de pouco menos de um ano, ele renunciou uma segunda fase de um concurso migrando para Defensoria. Olhe, você está aberto a descobrir essa vocação, ou melhor, repensar em o que/quem você apoia a sua vocação?

Eu gosto dessa permissão que a vocação se descobre/aperfeiçoa/reforça no caminho.

É que, será que nós acessamos o mundo não só com nossos sentidos, intelecto, mas também com nosso “não saber”? Se há uma coerência na existência, é uma coerência que não conseguimos entender completamente – e a mesma coisa se dá com nós mesmos. Mas não nos é confortável o espaço entre nós e a vocação. Procuramos preenchê-lo, não deixar nenhuma linha em branco. Melhor faríamos se as deixássemos como estão em vez de as rasurarmos. Estejamos abertos e mais sensíveis as maravilhas de caminhar com a cabeça erguida e atenta.

Felipe Duque é Procurador da Fazenda Nacional, mestre em Direito Político e Econômico pela Mackenzie-SP, professor e é estudante jurídico desde 2009. Fomenta o canal no YouTube e no Spotify: “Concursos & Experiências Compartilhadas” e o Projeto Ombro Amigo.

 
 

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