Com ciência e poesia, pesquisador brasileiro alerta sobre o futuro climático da Amazônia

Com uma abordagem acessível e didática, estudo de Antônio Donato Nobre será lançado durante o III Encontro Pan-amazônico, em Lima, no Peru.

São 20 bilhões de toneladas de água transpiradas diariamente na Amazônia.Para se ter uma ideia da magnitude disso basta comparar com o volume despejado no oceano Atlântico pelo Rio Amazonas, que é de 17 bilhões de toneladas ao dia

Data: 28/07/2014

São poucos os cientistas que conseguem transpor a barreira da linguagem técnica e comunicar a complexidade de seus objetos de estudo para um público mais abrangente. O brasileiro Antônio Donato Nobre, PhD e investigador sênior do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA), conseguiu essa façanha em seu novo trabalho intitulado "O futuro climático da Amazônia", um relatório de 37 páginas que traz pistas importantes para entender o complexo funcionamento climático do bioma, bem como os benefícios e as ameaças enfrentadas pela maior floresta tropical do planeta.

Com uma explicação quase poética do funcionamento climático da floresta e sua capacidade de persistir por diversas eras geológicas, o autor consegue encantar e explicar. "Os processos da vida que operam na Amazônia contêm complexidade quase incompreensível, com número astronômico de seres funcionando como engrenagens inteligentes em uma fenomenal máquina de regulação ambiental", escreve o pesquisador.

Mas a tônica do livro é sem dúvida a contribuição incalculável do bioma nas chuvas na América do Sul. Donato, que já trabalhou com o aviador Gerard Moss e o professor Enéas Salati no Projeto Rios Voadores,mostra que a Amazônia é a cabeceira dos mananciais aéreos de todo continente. "São 20 bilhões de toneladas de água transpiradas diariamente na Amazônia.Para se ter uma ideia da magnitude disso basta comparar com o volume despejado no oceano Atlântico pelo Rio Amazonas, que é de 17 bilhões de toneladas ao dia".

O autor compara ainda o serviço de evaporação da floresta com a energia gerada em hidrelétricas: "imaginemos uma chaleira gigante que comporte esse volume d’água, daquelas que se liga na tomada elétrica. A usina de Itaipu, com 14 mil Megawatts, precisaria gerar eletricidade em sua potencia máxima por 145 anos para que a chaleira evaporasse a água equivalente àquela transpirada em apenas um dia Amazônico". E conclui: "As árvores, essas benevolentes e silenciosas estruturas verdes vivas da natureza, similares a geisers, jorram para o ar um rio vertical de vapor mais massivo que o Rio Amazonas".

Para complementar os serviços prestados pelos rios voadores, o autor apresenta o conceito de "bomba biótica", que é a teoria de que a pressão atmosférica proporcionada pela floresta ajuda a arrastar a umidade do oceano para dentro do continente. "O perigo é que a eliminação total do principal agente da transpiração, que são as florestas, pode cessar completamente o bombeamento biótico. Se isso acontecer será como desligar o interruptor de uma bomba, a circulação muda de direção e então os oceanos passariam a sugar a umidade do continente", explica.

Mesmo as projeções científicas realizadas em modelagens computadorizadas mais pessimistas ainda não incluem os efeitos da bomba biótica no bioma. Trata-se de uma teoria ainda em experimentação. Mas Donato diz que caso a hipótese seja comprovada, a devastação da floresta poderia significar uma redução de 100% das chuvas no continente. Uma verdadeira calamidade. "Seria o ponto de não retorno, que guarda alguma semelhança com aquele jogo de dominós em pé. Tombando o primeiro, tombarão todos os demais encadeados, até o último. O sistema vivo na floresta,brutalmente desequilibrado, saltará para algum outro estado em equilíbrio com o clima subsequente", alerta o autor,

O estudo de Donato aponta ainda cinco frestas de oportunidades para evitar o ponto de não retorno e iniciar um trabalho de regeneração da floresta. São eles: Zerar o desmatamento, acabar com a fumaça e fuligem, recuperar o passivo do desmatamento, regenerar o oceano verde e popularizar a ciência da floresta. Quanto a esse último ponto, pode-se dizer que seu estudo é uma bela contribuição.

Lançamento

O estudo "O Futuro Climático da Amazônia" será lançado em versão PDF durante o III Encontro Pan-Amazônico que vai ocorrer entre os dias 06 e 07 de agosto em Lima, Peru. O pesquisador brasileiro vai apresentar a primeira conferência do evento sobre Cenários das Mudanças Climáticas na Pan-Amazônia, no dia 06.

Em sua terceira edição, o Encontro Pan-Amazônico desse ano será realizado em Lima, no Peru. O objetivo é reunir as redes socioambientais para discutir o protagonismo da floresta amazônica durante a COP 20, que será realizado no país em novembro.

III Encontro Pan-Amazônico

O terceiro Encontro Pan-Amazônico é uma iniciativa da Articulación Regional Amazónica (ARA). As primeiras edições do evento ocorreram em Belém do Pará em parceria com o Fórum Amazônia Sustentável e reuniu cerca de 350 participantes que discutiram sustentabilidade na Amazônia, novas economias e os impacto das megainfraestruturas no bioma. O evento é co-organizado pelo Ministério do Meio Ambiente do Peru, pela Iniciativa Amazônia Viva do WWF e pelo CDKN (ClimateandDevelopmentKnowledge Network). Segundo Sérgio Guimarães, secretário executivo da ARA Regional Brasil, o encontro é resultado da articulação de diversas redes ambientais e aliados estratégicos como Fundação AVINA; Fundação Skoll; Fundo Vale; USAID/ICAA; RAISG; Fórum Amazônia Sustentável; COICA; RAMA; ALER;Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e a Plataforma Latinoamericana de Cambio Climático, entre outras.

A ARA

A Articulação Regional Amazônica (ARA) é uma rede cujo principal objetivo é a conservação e uso sustentável dos ecossistemas amazônicos, bem como sua diversidade biológica e cultural promovendo o bem estar de seus habitantes. É uma rede Pan-amazônica composta por 54 instituições e pessoas que formam redes nacionais (ARA Nacional).



Website: http://www.araamazonia.org

Website: http://www.araamazonia.org