Carmignac: como encarar o problema do Coronavírus enquanto investidor?

São Paulo – SP 5/2/2020 – Para os investidores, a primeira tentação de procurar refúgio decorre não da incerteza, mas da impossibilidade de quantificá-la

Várias pessoas já estabeleceram inúmeros paralelismos com a crise de 2002-2003, causada pelo SARS, aparentemente da família do vírus atual, e constataram que o problema médico cria, de fato, um problema econômico significativo e também um quebra-cabeças para os investidores. Assim, a comparação não faz qualquer sentido visto que as duas situações, com dezessete anos de diferença, são profundamente diferentes.

Em primeiro lugar, a epidemia da SARS já é passado e, portanto, as autoridades de saúde em quase todo o mundo, especialmente na China, já fizeram grandes progressos de aprendizagem na conduta ao adotar em uma situação desta natureza. Em paralelo, como salientado, por conta da dimensão da economia chinesa, a sua integração no comércio mundial, o peso das atividades de consumo na economia, o aumento da mobilidade dentro do próprio país, todas essas versões de um desenvolvimento muito rápido mudaram radicalmente em termos de escala desde 2003, conferindo a essa epidemia uma dimensão redobrada para o mundo inteiro. Basta acrescentar a rapidez da divulgação da informação, impulsionada pelo desenvolvimento das redes sociais, o fenômeno assume a amplitude de uma crise ainda maior.

A incerteza é a rotina diária dos mercados, por isso a expressão “os mercados não gostam de incerteza” é absurda. É a incerteza que constitui o próprio tecido dos mercados financeiros, que prosperam no constante exercício da antecipação do futuro (as certezas já se encontram refletidas nos preços de mercado e pertencem, assim, ao passado do ponto de vista do investidor).

O que os mercados “não gostam” é do risco não mensurável, ou seja, aquele que poderia, em certas circunstâncias, mudar radicalmente de dimensão, e frustrar qualquer antecipação. Por exemplo, as relações muito tensas entre países, que poderiam crescer devido a discursos provocantes que terminam em uma declaração de guerra (pode-se, facilmente, adicionar a palavra “comercial/comerciais” após “relações” e “guerra”), bem como as negociações sobre o Brexit, que poderiam desencadear rapidamente uma ruptura desastrosa.

Assim, o início de uma epidemia, cuja possibilidade reduzida de se transformar numa pandemia, é o problema que torna a avaliação do risco muito difícil. Por exemplo, é impossível quantificar as potenciais consequências de cerca de cinco milhões de pessoas que deixaram Wuhan antes de a cidade ser colocada em quarentena, e que não se faz ideia se foram contagiadas ou não.

O fato de o número de vítimas da epidemia da SARS a nível mundial, em 2003, ter sido infinitamente inferior ao causado pela gripe atual é irrelevante. As chances do pior acontecer, embora improváveis, combinada com a carga emocional de uma doença contagiosa e sorrateira, produz naturalmente uma cobertura midiática intensa e uma atitude de prudência entre todos, incluindo os investidores.

A forte recuperação dos mercados acionistas desde o período de baixa, no verão de 2019, foi alimentada por uma melhora simultânea dos três motores dos quais a propulsão dos mercados depende tradicionalmente. Em primeiro lugar, apareceram no plano econômico, no segundo semestre do ano, os primeiros sinais de alerta de uma estabilização do crescimento chinês e europeu. Em segundo, os bancos centrais, liderados pelo Banco da Reserva Federal (FED), reativaram políticas monetárias claramente expansionistas, constituídas por taxas de juros de referência muito baixas e um retorno à flexibilização quantitativa. Por fim, o terceiro motor, a confiança dos investidores beneficiou, principalmente, o fim do crescimento protecionista, embora temporário, entre os Estados Unidos e a China.

Uma ramificação desse clima psicológico mais plácido foi de os agentes de apostas aumentarem as chances de reeleição para Donald Trump, que é considerado um aliado objetivo do mercado de ações. Esta tríade constituída pela economia real, a liquidez e a confiança trouxe, portanto, um reforço muito sensível, o qual explica porque os mercados de ações em todo o mundo registraram um desempenho espetacular desde o passado mês de setembro.

Este desempenho tornou os níveis de avaliação atingidos vulneráveis a um novo enfraquecimento da famosa tríade. Por enquanto, o motor da liquidez permanece rigorosamente inalterado. Isso constitui um poderoso antídoto para uma forte correção dos mercados. Por outro lado, claramente o episódio viral prejudica o motor do sentimento. Este último poderá ser ainda mais prejudicado se o processo de destituição do presidente Trump, embora não existam dúvidas quanto ao seu resultado, denegrir a imagem do candidato republicano aos olhos dos indecisos pela transmissão midiática contínua, em TVs americanas, das várias queixas bem fundamentadas contra ele.

Ao mesmo tempo, torna-se clara a perspectiva de um avanço do candidato democrata Bernie Sanders, cuja popularidade nos estados decisivos (os swing States) pode se tornar desconfortável para Trump. Resta o motor do crescimento. Cruelmente, quanto mais as autoridades chinesas agem, de maneira eficaz, com o confinamento de milhões de pessoas em quarentena para conter a propagação do vírus, o que foi feito insuficiente e tardiamente em 2003, maior o risco futuro de uma violenta desaceleração da atividade econômica chinesa, sendo esse o preço de um retorno à normalidade mais rápido. A arbitragem situa-se entre a intensidade da desaceleração e a sua extensão ao longo do tempo.

Assim, as ações dos investidores não se limitam a como reagir às informações que consomem todos os dias sobre a progressão da epidemia. Em vez disso, a questão atual é uma situação complexa a ter em conta, suscetível de subtrair, pelos menos temporariamente, dois dos seus três motores de desempenho aos mercados de ações.

Parece racional responder a essa situação tirando partido de qualquer queda para fortalecer as posições em ações de empresas cujo crescimento seja o menos vulnerável ao ciclo econômico global, e assumir lucros conservadores sobre as restantes.

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