Os caminhos que não levam a lugar nenhum

São Paulo 30/10/2019 –

O tempo passa e o mesmo espetáculo continua há cinco meses: mercados em vaivém entre a esperança de uma futura retomada econômica, ocasionalmente renascida devido a um acordo comercial sino-americano oportuno, e a constatação da crescente impotência dos bancos centrais face a um abrandamento econômico geral sobre o qual perderam o controle.

Graças a um voluntarismo renovado do BCE e a alguns sinais encorajadores relativos às tensões comerciais, foi possível, no mês de setembro, suprimir quase todos os danos causados aos mercados bolsistas pelos sinais inversos emitidos no início do mês de agosto. Mas a demora da Fed, que associa a modesta descida de 0,25% das suas taxas de juros diretoras a um discurso fraco, e a pouca influência que o BCE ainda tem sobre os mercados, não permitiu que a renda variável fosse mais longe. Já o dólar continuou a ser sustentado por uma política monetária norte-americana ainda muito restritiva, o que explica o fraco desempenho dos mercados de ações emergentes, que permanecem muito abaixo dos seus níveis máximos do ano. Globalmente, os mercados de renda fixa valorizaram depois da sua baixa no mês de agosto.

De todas as oportunidades disponíveis aos investidores neste fim de ano, nenhuma delas parece conseguir chegar muito longe: as políticas monetárias já são muito adaptáveis e pouco contundentes. A Fed ainda está relutante em intensificar suas medidas e a China ainda não apresenta uma recuperação econômica. Já as políticas orçamentais constituem a nova fronteira da esperança macroeconômica, que só poderá ser cruzada ao ritmo imposto pelos consensos políticos, que são extremamente lentos para os mercados.

Assim, este período de fim de ano prolonga-se mantendo os índices acionistas em intervalos relativamente amplos, conservando as taxas de juros em níveis muito baixos e continuam justificando um posicionamento baseado na máxima qualidade, tanto no universo das ações como no das obrigações. É certo que esta forte polarização vai expor o risco de sofrer uma súbita e efêmera recuperação dos valores cíclicos, como foi o caso no início do mês de setembro. No entanto é necessária uma seleção muito rigorosa dos títulos na perspectiva da visibilidade e da valorização em todas as classes de ativos, que deve continuar a fazer a diferença entre os índices.

Nas vésperas do último trimestre de 2019, é preciso refletir sobre a forma que os mercados poderão assumir no próximo ano. Os últimos dois anos foram marcados por uma desaceleração cíclica em combinação com forças deflacionistas estruturais, alimentadas por tendências demográficas e tecnológicas pesadas, como também foram agravadas por um nível de endividamento global sem precedentes.

No entanto, este ritmo do mercado não deve fazer esquecer o essencial: a economia real tornou-se menos reativa ao ativismo monetário, parecendo cada vez mais claro que não será suficiente para brecar a atual desaceleração mundial, sobretudo se o nível de incerteza política generalizada perdurar.

Deste modo 2020 promete ser um ano de inflexão importante para os mercados, pois terão de ser considerados novos caminhos. Se não for encontrada qualquer solução convincente para a impotência cada vez mais evidente dos bancos centrais, começará a consolidar-se um cenário de deterioração macroeconômica, com consequências previsíveis para os ativos de risco. Essa hipótese não deverá constituir um cenário central, dado que pressupõe um comportamento de sonambulismo por parte dos políticos: Donald Trump (nos Estados Unidos), a Fed, a China e o governo alemão não têm qualquer interesse em permitir que uma dinâmica recessiva se instale em seus países.

Na Europa, esta hipótese corresponde ao desejo do próprio Banco Central Europeu de que não será afetado pela transição da presidência. Além de um maior esforço orçamentário da Alemanha, a hipótese de uma união fiscal na zona do euro poderia avançar, após ter sido evitada durante muito tempo. E o apoio do BCE pode satisfazer as condições para um relançamento impulsionado pelas despesas orçamentais elevadas. Nos Estados Unidos, uma retomada do crescimento pode ser facilitada por um gesto concreto de Donald Trump relativamente a um acordo comercial sino-americano, uma vez que a incerteza política a este respeito penalizou a dinâmica de investimento das empresas norte-americanas.

Uma das zonas cinzentas deste cenário consiste no calendário, pois pressupõe que as decisões políticas serão tomadas de forma suficientemente proativa, e não pela necessidade das economias globalmente enfraquecidas e sob pressão dos mercados financeiros em estado de estresse. Ainda pressupõe que Pequim aceitará, como argumento de negociação, oferecer ao candidato às próximas eleições presidenciais norte-americanas, Donald Trump, uma saída airosa da postura de resistência máxima às dificuldades econômicas.

Mas mesmo que a alavanca do estímulo orçamental seja acionada pelas políticas, não se pode esperar um regresso pacífico à “normalidade” dos mercados. Pelo contrário, após vários anos de repressão financeira, a perspectiva de uma inflexão radical da política econômica não deixaria de colocar em causa o posicionamento dos investidores, por vezes extremamente polarizado. Tal cenário corresponderia a um aumento acentuado da volatilidade de todas as classes de ativos.

A subida dos mercados de ações na primeira metade de 2019, após a sua consolidação há cinco meses graças a uma queda contínua das taxas de juros, constituiu uma fase de tréguas após o aviso disparado em 2018. Se este regime de mercados se mantiver em 2020, será em uma linha tênue entre um cenário de recessão e um cenário de grande estímulo orçamental. Complementarmente à seleção de títulos, é importante preparar, desde já, uma gestão dos mercados mais direcionada.

Website: http://www.carmignac.com

Web Site:

Os caminhos que não levam a lugar nenhum

São Paulo 30/10/2019 –

O tempo passa e o mesmo espetáculo continua há cinco meses: mercados em vaivém entre a esperança de uma futura retomada econômica, ocasionalmente renascida devido a um acordo comercial sino-americano oportuno, e a constatação da crescente impotência dos bancos centrais face a um abrandamento econômico geral sobre o qual perderam o controle.

Graças a um voluntarismo renovado do BCE e a alguns sinais encorajadores relativos às tensões comerciais, foi possível, no mês de setembro, suprimir quase todos os danos causados aos mercados bolsistas pelos sinais inversos emitidos no início do mês de agosto. Mas a demora da Fed, que associa a modesta descida de 0,25% das suas taxas de juros diretoras a um discurso fraco, e a pouca influência que o BCE ainda tem sobre os mercados, não permitiu que a renda variável fosse mais longe. Já o dólar continuou a ser sustentado por uma política monetária norte-americana ainda muito restritiva, o que explica o fraco desempenho dos mercados de ações emergentes, que permanecem muito abaixo dos seus níveis máximos do ano. Globalmente, os mercados de renda fixa valorizaram depois da sua baixa no mês de agosto.

De todas as oportunidades disponíveis aos investidores neste fim de ano, nenhuma delas parece conseguir chegar muito longe: as políticas monetárias já são muito adaptáveis e pouco contundentes. A Fed ainda está relutante em intensificar suas medidas e a China ainda não apresenta uma recuperação econômica. Já as políticas orçamentais constituem a nova fronteira da esperança macroeconômica, que só poderá ser cruzada ao ritmo imposto pelos consensos políticos, que são extremamente lentos para os mercados.

Assim, este período de fim de ano prolonga-se mantendo os índices acionistas em intervalos relativamente amplos, conservando as taxas de juros em níveis muito baixos e continuam justificando um posicionamento baseado na máxima qualidade, tanto no universo das ações como no das obrigações. É certo que esta forte polarização vai expor o risco de sofrer uma súbita e efêmera recuperação dos valores cíclicos, como foi o caso no início do mês de setembro. No entanto é necessária uma seleção muito rigorosa dos títulos na perspectiva da visibilidade e da valorização em todas as classes de ativos, que deve continuar a fazer a diferença entre os índices.

Nas vésperas do último trimestre de 2019, é preciso refletir sobre a forma que os mercados poderão assumir no próximo ano. Os últimos dois anos foram marcados por uma desaceleração cíclica em combinação com forças deflacionistas estruturais, alimentadas por tendências demográficas e tecnológicas pesadas, como também foram agravadas por um nível de endividamento global sem precedentes.

No entanto, este ritmo do mercado não deve fazer esquecer o essencial: a economia real tornou-se menos reativa ao ativismo monetário, parecendo cada vez mais claro que não será suficiente para brecar a atual desaceleração mundial, sobretudo se o nível de incerteza política generalizada perdurar.

Deste modo 2020 promete ser um ano de inflexão importante para os mercados, pois terão de ser considerados novos caminhos. Se não for encontrada qualquer solução convincente para a impotência cada vez mais evidente dos bancos centrais, começará a consolidar-se um cenário de deterioração macroeconômica, com consequências previsíveis para os ativos de risco. Essa hipótese não deverá constituir um cenário central, dado que pressupõe um comportamento de sonambulismo por parte dos políticos: Donald Trump (nos Estados Unidos), a Fed, a China e o governo alemão não têm qualquer interesse em permitir que uma dinâmica recessiva se instale em seus países.

Na Europa, esta hipótese corresponde ao desejo do próprio Banco Central Europeu de que não será afetado pela transição da presidência. Além de um maior esforço orçamentário da Alemanha, a hipótese de uma união fiscal na zona do euro poderia avançar, após ter sido evitada durante muito tempo. E o apoio do BCE pode satisfazer as condições para um relançamento impulsionado pelas despesas orçamentais elevadas. Nos Estados Unidos, uma retomada do crescimento pode ser facilitada por um gesto concreto de Donald Trump relativamente a um acordo comercial sino-americano, uma vez que a incerteza política a este respeito penalizou a dinâmica de investimento das empresas norte-americanas.

Uma das zonas cinzentas deste cenário consiste no calendário, pois pressupõe que as decisões políticas serão tomadas de forma suficientemente proativa, e não pela necessidade das economias globalmente enfraquecidas e sob pressão dos mercados financeiros em estado de estresse. Ainda pressupõe que Pequim aceitará, como argumento de negociação, oferecer ao candidato às próximas eleições presidenciais norte-americanas, Donald Trump, uma saída airosa da postura de resistência máxima às dificuldades econômicas.

Mas mesmo que a alavanca do estímulo orçamental seja acionada pelas políticas, não se pode esperar um regresso pacífico à “normalidade” dos mercados. Pelo contrário, após vários anos de repressão financeira, a perspectiva de uma inflexão radical da política econômica não deixaria de colocar em causa o posicionamento dos investidores, por vezes extremamente polarizado. Tal cenário corresponderia a um aumento acentuado da volatilidade de todas as classes de ativos.

A subida dos mercados de ações na primeira metade de 2019, após a sua consolidação há cinco meses graças a uma queda contínua das taxas de juros, constituiu uma fase de tréguas após o aviso disparado em 2018. Se este regime de mercados se mantiver em 2020, será em uma linha tênue entre um cenário de recessão e um cenário de grande estímulo orçamental. Complementarmente à seleção de títulos, é importante preparar, desde já, uma gestão dos mercados mais direcionada.

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