Remédios contra COVID-19 que estiveram na mídia desde o início da pandemia

São Paulo, SP 29/9/2020 – Alguns medicamentos passaram a ser considerados como opções para a COVID-19, mesmo sem comprovação científica ou até com fortes contraindicações pela medicina.

Desde o início da pandemia, vários medicamentos foram testados pela comunidade científica em busca de boas respostas na luta contra a COVID-19. Uns tiveram boa eficácia contra o vírus, e outros total ou parcial fracasso. Quais deles a mídia destacou neste período?

À medida que a pandemia do novo coronavírus foi avançando e se descobriu que seria uma doença grave, com alta taxa de infecção e em alguns casos, letal ou com recuperação lenta, a busca por uma medicação que pudesse agir preventivamente, ou combater os sintomas e/ou evitar o agravamento da doença tornou-se fundamental. Pesquisadores em todo o mundo trabalharam em testes com remédios, bem como pesquisas relacionadas a aparelhos respiradores para Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).

Essas pesquisas ocorreram em um ritmo atípico e em países com altas taxas de infectados, com tratamentos realizados de forma intuitiva pelas equipes médicas, na falta de um remédio específico e com emergências lotadas. O teste para um novo remédio, específico para coronavírus, também não é um processo simples.

Para se ter uma ideia do que é um processo de criação de um novo remédio, pode-se ilustrar com duas variáveis apenas: tempo e custo. De acordo com o Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística, são dispendidos de dez a doze anos entre as primeiras moléculas e o remédio pronto e testado. Segundo o International Federation of Pharmaceutical Manufacturers & Associations (IFPMA), citado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), são mais de um bilhão e trezentos milhões de dólares, em média, gastos a cada novo medicamento desenvolvido.

 

Como funciona o desenvolvimento um novo remédio?

O desenvolvimento de novo remédio é composto pelas seguintes fases e etapas: descoberta; pesquisa pré-clínica; pesquisa clínica; fase I, II e III; fase IV. Cada uma delas possui as seguintes características:

Descoberta: uma potencial molécula que poderia se transformar em medicamento é descoberta durante uma pesquisa científica, que pode ocorrer dentro dos laboratórios, centros de pesquisa ou universidades (principalmente nas pós-graduações). Essa molécula é chamada de lead e passa por alguns testes químicos iniciais.

Pesquisa pré-clínica: Eficácia e segurança são testadas nessa etapa, efeitos no organismo, absorção e eliminação da molécula. Nessa pesquisa pré-clínica ocorrem ensaios in vitro (laboratoriais) e in vivo (testes em diversos tipos de animais). Os testes em animais descartam 99 % das substâncias, isto é, apenas 1 % seguem para as fases seguintes.

Fase I, II e III: Essas fases compõem a pesquisa clínica, onde ocorrem testes com humanos. Esses testes envolvem aprovação de comitês de ética, exames em seres humanos (como de sangue ou outros materiais biológicos). Na Fase I, testa-se em um pequeno número de pessoas saudáveis como o remédio é metabolizado. Na Fase II, mais pessoas e com a doença são testadas quanto à efetividade e contraindicações (reações ao medicamento). Já na Fase III, com dose e efeitos definidos, testa-se em um número maior de pessoas, um grupo de controle recebe placebos e se compara o medicamento aos demais existentes. Finalizadas essas fases, o remédio terá seu registro no país ou ainda deverá ser registrado em outros países. Medicamentos brasileiros e estrangeiros são submetidos à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Fase IV: Com o medicamento em circulação, são feitos testes sobre seu funcionamento pós-aprovação, saindo da amostra de testes para a população.

 

Por que usar remédios já aprovados para outras doenças?

O porquê de usar remédios já aprovados para outras doenças no tratamento do novo coronavírus também pode ser explicado pela variável tempo. Com um período de dez a doze anos, seria intempestivo o uso de um novo medicamento como tratamento aos sintomas, com o medicamento sendo lançado muito após o fim da pandemia.

Também existem outros aspectos a considerar, como o fato de ser um vírus. Nas classificações biológicas, os vírus se destacam por serem parasitas obrigatórios, nem sempre considerados como seres vivos (pela estrutura extremamente simples, inferior a um organismo unicelular) e sofrerem mutações. Nesse aspecto, uma vacina periódica como a dos vírus da gripe pode ser uma solução mais adequada, tanto que o foco atual das discussões está relacionado às vacinas, não aos medicamentos, fortemente envolvidos em polêmicas e necessitando de maiores estudos.

 

O impacto no anúncio de testes com um medicamento conhecido

Vários estudos aconteceram com medicamentos conhecidos, pois seria eliminado o custo com o desenvolvimento das moléculas e seriam feitos, diretamente, os ensaios em fases mais avançadas. Ao menor anúncio de algum efeito positivo por um medicamento conhecido, porém, surgem problemas em função da procura.

Os medicamentos já aprovados possuem eficácia comprovada para uma determinada doença X, não para a COVID-19. Mesmo assim, sem testes conclusivos, dose certa ou mesmo verificação das contraindicações, pessoas que desejavam ou mesmo desejam proteção contra o novo coronavírus compraram/compram medicamentos inadequados para essa doença e diminuem a disponibilidade para quem realmente os necessita.

Alguns medicamentos, ou mesmo tratamentos experimentais, passaram a ser considerados como opções para a COVID-19, mesmo sem comprovação científica ou até com fortes contraindicações pela medicina. Em alguns locais do Brasil, chegaram a ser adquiridos pelo poder público e distribuídos à população. Outros medicamentos, por sua vez, são vendidos corriqueiramente em farmácias, mas chegaram a receber menções de alerta por possíveis efeitos colaterais quando utilizados para COVID-19, como os anti-inflamatórios.

A Ivermectina

A Ivermectina é um remédio usado em seres humanos e animais para controle de piolhos, pulgas, carrapatos, sarnas e verminoses. Esse medicamento é comercializado, após aprovação, desde os anos 1980.

De acordo com a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) do Ministério da Saúde e da Organização Pan-Americana de Saúde, iniciativa em parceria com outros órgãos de saúde nacionais, houve um estudo em que o SARS-CoV-2 teve sua replicação inibida com a utilização da Ivermectina. Esse resultado foi favorável, mas não o suficiente para garantir sua eficácia.

De acordo com as etapas e fases de aprovação de um medicamento, só ocorreu a pesquisa pré-clínica. Outro aspecto é a dose: é impossível chegar aos pulmões com a concentração realizada no estudo, e essa concentração seria tóxica ao ser humano – de cinquenta a cem vezes maior do que o limite aceitável.

Mesmo com todas as limitações do estudo, houve um aumento de procura da Ivermectina, que, em doses normais e para o tratamento a que se destina, causa poucos efeitos colaterais. Também é um remédio de baixo custo. A prefeitura de Itajaí, dentre outras cidades brasileiras, comprou milhões de comprimidos desse remédio e distribuiu à população.

O Remdesivir

Ao contrário da Ivermectina, o Remdesivir foi aprovado por alguns órgãos de saúde, como o Food and Drug Administration (FDA), nos EUA, e outros órgãos de países europeus, e não é um remédio de baixo custo. De acordo com o médico Jorge Bermudez, em matéria publicada no portal do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, um tratamento de dez dias custaria US$ 4.500,00, o equivalente a R$ 23.715,00 (com cotação de US$ 1,00 = R$ 5,27). Mesmo em um momento crítico de saúde pública em vários países do mundo, o Remdesivir teria um preço muito elevado, o que implicaria em desigualdade de atendimento, pois nem todas as pessoas seriam capazes de arcar com o tratamento.

Segundo estudos científicos, como no Journal of the American Medical Association, um tratamento com cinco dias levou à redução do tempo de hospitalização. Foram seiscentos pacientes estudados, sendo necessárias novas etapas de avaliação para comprovar efetivamente o Remdesivir como tratamento, pois, atualmente, não há certeza que impeça mortes. Seu uso, atualmente, é em caráter emergencial, e não foram verificados efeitos positivos na redução de hospitalização com dez dias de tratamento.

O uso do Remdesivir é, originalmente, também como antiviral. Ele foi definido comprovadamente como medicamento para outro coronavírus, o do MERS (MERS-CoV ou Síndrome Respiratória do Oriente Médio), que teve seus primeiros casos registrados na Arábia Saudita.

Ibuprofeno, nimesulida, diclofenaco e outros anti-inflamatórios

Os anti-inflamatórios (não são todos) possuem indicações específicas e não são elementos para prevenção, mas devem ser prescritos por médicos quando forem aplicados. Em março, anti-inflamatórios como ibuprofeno, ácido acetilsalicílico e diclofenaco foram contraindicados pelo ministro francês Jérôme Salomon, que se baseou em um estudo publicado na “The Lancet” na época. Em caso de sintomas leves, seria recomendado paracetamol, de acordo com infectologistas.

Em setembro, a OMS passou a recomendar anti-inflamatórios do tipo corticosteroides, após estudos científicos, para pacientes que desenvolvem os sintomas. Esses anti-inflamatórios seriam a dexametasona, hidrocortisona e metilprednisolona, com a redução em um terço de mortes por mitigar as reações exageradas do sistema imunológico. Os anti-inflamatórios, portanto, devem ser aplicados como tratamento, não como prevenção.

A Cloroquina e a Hidroxicloroquina

A cloroquina e sua derivada, a hidroxicloroquina, são medicamentos destinados a tratamento de doenças como a malária, lúpus, artrite reumatoide e doenças fotossensíveis. Assim como os demais medicamentos citados, estão passando por estudos para a verificação de sua eficácia contra o novo coronavírus, por apresentar a capacidade de modificar o pH de vesículas das células e, com isso, reduzir a replicação viral.

Esse possível efeito, de acordo com podcasts produzidos no curso de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, não começou a ser estudado apenas nessa pandemia. Em 2001, a cloroquina e hidroxicloroquina foram estudadas na China, contra o SARS-CoV-1, o primeiro coronavírus de destaque nesse milênio. Foi uma epidemia muito menor e passou apenas pela pesquisa pré-clínica, com estudos suspensos logo em seguida.

O novo coronavírus se disseminou muito mais do que o SARS-CoV-1 e, por isso, as pesquisas voltaram a ocorrer. Já se verificou que o medicamento não serve como prevenção e, em pacientes com COVID-19, alguns estudos apontaram alguma melhora, enquanto outros não detectaram benefícios.

Várias polêmicas ocorreram em torno da cloroquina e hidroxicloroquina porque ambas foram recomendadas por governantes de diferentes cidades, estados e países, mesmo sem a comprovação de eficácia. Também é necessária a ponderação por médicos (apenas) entre benefícios e os efeitos colaterais, que incluem alterações cardiovasculares e neurológicas, distúrbio de visão e irritação gastrointestinal. É permitido o uso nos pacientes hospitalizados, mas só com decisão do médico e autorização do paciente, quando possível.

Após os rumores de a cloroquina e hidroxicloroquina serem apontadas como soluções, mesmo que sem toda a segurança e confirmação necessária, houve restrição de acesso aos medicamentos, vendidos apenas com receita e para as doenças adequadas para uso. Essa medida ocorreu para evitar problemas de acesso para as pessoas doentes e que necessitam continuamente desses medicamentos.

Tratamento com ozônio

O ozônio não consiste em um medicamento vendido em farmácia ou produzido por laboratórios, mas uma molécula com três átomos de oxigênio e que está presente na atmosfera da Terra. Essa molécula é mais instável do que a do gás oxigênio e se mantém em equilíbrio químico, coexistindo. Na chamada camada de ozônio ocorre, o tempo todo, a decomposição e formação de moléculas de ozônio, e os gases nocivos atuam desequilibrando essa reação química no sentido de maior quebra do que de formação do ozônio.

O ozônio pode ser utilizado no processo de desinfecção de água. Ele não é usado em larga escala pelo custo, por ser molécula instável e não oferecer efeito prolongado, ao contrário do que ocorre com os compostos com cloro no tratamento da água potável pelas concessionárias. Em ambiente hospitalar, o ozônio é usado em concentração mais elevada para desinfecção também.

Há alguns estudos que envolvem feridas na pele e como tratamento complementar, mas nada que comprove que a ozônio pode combater o novo coronavírus, como prevenção ou tratamento. A maioria dos estudos existentes é pré-clínico, somados ao fato de o ozônio não ser inerte como o oxigênio no interior do ser humano.

No Brasil, a ozonioterapia passou a ser comentada após ser proposta como tratamento por um prefeito de uma cidade brasileira. Naquela oportunidade, esse prefeito comentara que a cidade integraria estudos em ozonioterapia retal, o que gerou muitas brincadeiras nas redes sociais.

A corrida pela prevenção e tratamento da COVID-19

Toda a corrida pelos remédios buscando a prevenção e tratamento da COVID-19 se justifica pela gravidade da doença, pela possibilidade de tratamento prolongado após a cura (em casos graves, que envolvem fisioterapia na recuperação), e pelos fortes danos sociais e econômicos que já ocorreram. Em contraponto, as posturas equivocadas de autoridades políticas e até de cidadãos demonstram que há certo desconhecimento de como funciona a ciência e uma pesquisa científica.

Mesmo que um indivíduo não seja da área científica, seja em laboratórios de pesquisa, entidades de governo, farmacêuticas ou universidades, na área de saúde ou não, é importante entender que pesquisa é um processo longo e que envolve responsabilidades, custo e tempo. Nessas oportunidades, a falsa ideia de colocar “teoria” e “prática” como opostos existentes, não faz sentido, pois o embrião da pesquisa é o laboratório e as universidades e os frutos são da sociedade, sem distinções.

É mais simples começar testes por medicamentos já conhecidos, mas cabe à área médica confirmar se os mesmos devem ser aplicados para casos de coronavírus.

Importantes passos de pesquisa estão sendo realizados em instituições em todo o mundo. A Rússia já anunciou, com publicação em periódico científico posterior, sua vacina, a Sputnik. Essa e outras vacinas completarão seus ciclos de testes e, até ano que vem, espera-se que haja uma ou mais vacinas disponíveis à população. Com a queda do número de casos e com essa vacina, então, será possível sair novamente às ruas e que todos possam viver uma vida realmente normal.

Disclaimer: Neste texto foram abordados diversos medicamentos que ficaram no foco da mídia durante a pandemia, mas vale reforçar a importância de seguir as recomendações de autoridades de saúde e não praticar a automedicação com nenhum dos medicamentos citados.

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