Tecnologia baseada em inteligência artificial traz uma nova abordagem para identificação e acompanhamento de glaucoma

Campinas – SP 21/2/2020 –

O glaucoma é uma doença altamente complexa, caracterizada pela danificação do nervo óptico ao longo do tempo, o que causa a perda progressiva da visão. Assim, o glaucoma é o principal causador de cegueira irreversível no mundo.1

Trata-se de uma doença que progride silenciosamente, sem apresentar sintomas até que o quadro de perda de fibras nervosas da retina já esteja muito avançado. Considerando que não é possível recuperar as fibras que já foram perdidas pela doença, o acompanhamento periódico com o médico oftalmologista é de extrema importância para que o tratamento (cirúrgico ou com colírios antipressóricos) seja feito a tempo de evitar a progressão do glaucoma.

Geralmente, o dano à camada de fibras nervosas da retina é proveniente de um aumento da pressão intraocular (PIO), causado pelo acúmulo excessivo de líquido dentro dos olhos.1 No entanto, a perda das fibras nervosas nem sempre está associada ao aumento da PIO, existindo diversos outros fatores (como redução da vascularização da cabeça do nervo óptico) que podem estar associados à progressão da doença.

Portanto, a medição da PIO por meio de um tonómetro não é suficiente para se diagnosticar o glaucoma2, sendo necessária a combinação deste resultado com outros parâmetros funcionais, como o campo visual do paciente (campimetria), e estruturais, como retinografias da cabeça do nervo óptico ou a medição da espessura da camada de fibras nervosas por meio de uma tomografia de coerência óptica (OCT).

Essa alta complexidade da doença dificulta muito sua identificação, tornando o diagnóstico precoce um desafio mesmo para especialistas. Além disso, os oftalmologistas enfrentam outras adversidades associadas às limitações inerentes das ferramentas de diagnóstico e acompanhamento utilizadas. Para citarmos algumas temos:

  • A campimetria é a principal ferramenta para avaliação a perda funcional do paciente, no entanto, como trata-se de um exame que depende da performance do paciente para que possa ser considerado fidedigno (compreensão do exame, nível de atenção, cansaço, etc.) a variabilidade dos resultados é alta (baixa reprodutibilidade), dificultando a separação do o que é progressão e o que é uma má execução do exame por parte do paciente.3,4
  • A retinografia auxilia na identificação e acompanhamento das mudanças estruturais da retina por meio de um exame de baixo custo, mas, muitas vezes, as mudanças são tão sutis que uma abordagem qualitativa como esta não permite uma fácil identificação do problema. Deste modo, mesmo especialistas podem deixar passar sinais associados a progressão do glaucoma.
  • A tomografia (OCT) é uma ferramenta moderna e que traz uma abordagem quantitativa e objetiva da espessura da camada de fibras nervosas da retina, com boa reprodutibilidade. No geral, sua acurácia na separação de olhos com glaucoma é bastante elevada (por volta de 90%)5, porém, quando analisamos casos mais difíceis como glaucoma pré-perimétrico sua sensibilidade pode vir a cair bastante (49%)6, sendo uma ferramenta considerada por alguns pesquisadores como necessária, mas não suficiente para identificação do glaucoma7. Além disso, seu alto custo de aquisição a torna uma opção inviável para muitos serviços médicos.

Visto as limitações associadas às ferramentas atualmente disponíveis, novas tecnologias vêm sendo desenvolvidas para tornar a vida dos oftalmologistas mais fácil.

Inteligência artificial a serviço do combate ao glaucoma, o algoritmo La Laguna ONhE

Cada vez mais o uso de inteligência artificial vem se tornando comum na oftalmologia. Seu objetivo é auxiliar o médico na interpretação do resultado dos exames ou trazer novas informações, mais complexas, por meio da análise de exames simples. Neste último grupo está o software europeu La Laguna ONhE, comercialmente conhecido como RetinaLyze. Este software utiliza um algoritmo desenvolvido e constantemente atualizado pelo Prof. Dr. Manuel Gonzalez de la Rosa da Universidade La Laguna, na Espanha, e é utilizado desde 2013 na Europa. No Brasil, a comercialização é feita pela empresa Única Pharmaceuticals.

O objetivo do algoritmo é separar olhos com glaucoma dos olhos saudáveis, além de facilitar o acompanhamento da progressão da doença. Para isso o software utiliza um método colorimétrico em retinografias simples para identificar a concentração relativa de hemoglobina nas diferentes áreas da cabeça do nervo óptico, transformando uma informação qualitativa em um dado objetivo.8 Ele funciona em nuvem e analisa a imagem do retinógrafo disponível no consultório, não precisando da aquisição de um novo equipamento.

O software conta com uma extensa literatura científica com mais de 14 estudos realizados e outros em andamento. Estes trabalhos científicos indicam que pacientes com glaucoma têm uma redução da quantidade de hemoglobina na cabeça do nervo óptico.8 Assim, com base na sua concentração relativa, o algoritmo traz 1 novo parâmetro e 2 já conhecidos:

  • Glaucoma Discriminant Function (GDF). Novo parâmetro, sendo o principal e com maior acurácia do software RetinaLyze. O GDF varia de +50 a -100, quanto mais negativo, mais avançado está o glaucoma.
  • Estimativa vertical da razão escavação/disco óptico.
  • Estimativa em área da razão escavação/disco óptico.

O software RetinaLyze traz a estimativa da razão escavação/disco óptico, a qual pode ser obtida por outros meios, mas com o diferencial de traze-la de maneira totalmente automática e com boa reprodutibilidade9. Além disso, seu grande diferencial é o parâmetro Glaucoma Discriminant Function (GDF), o qual tem uma grande capacidade de identificar olhos glaucomatosos5,9-11.

Em entrevista sobre o software, o oftalmologista especialista em glaucoma Prof. Dr. Tiago Prata, Diretor Científico da Sociedade Brasileira de Glaucoma – SBG, afirma: “os estudos mostram que não houve diferença estatística entre o exame OCT e o GDF obtido pelo RetinaLyze, mostrando uma capacidade diagnóstica equivalente. Além disso, ambos os exames foram superiores ao exame HRT (Heidelberg Retinal Tomography)”.

A grande vantagem quando comparada à tecnologia da tomografia é que, por necessitar apenas de uma imagem de retinografia (não necessita da compra de um novo equipamento), a utilização desta inteligência artificial é muito mais barata, tornando-a mais acessível. Dr. Tiago ressalta: “além de esta ser uma tecnologia de baixo custo, ela é interessante por possuir boa capacidade diagnóstica, sendo uma ferramenta interessante especialmente para os oftalmologistas generalistas e para triagem de pacientes”.

Outro fator importante é que as análises feitas pela inteligência artificial de RetinaLyze são altamente reprodutíveis12, ou seja, pessoas diferentes chegam a resultados muito próximos mesmo quando as análises são feitas em momentos distintos. A combinação disto com o resultado objetivo e quantitativo do exame torna possível a redução da subjetividade no acompanhamento do glaucoma ao longo do tempo, reduzindo as chances de ocorrerem eventuais equívocos durante a interpretação de um exame qualitativo, como uma retinografia, devido à sutileza das alterações provenientes da progressão do glaucoma.

Ressaltando a importância de um exame reprodutível para acompanhamento do glaucoma, Dr. Tiago diz: “os estudos mostraram uma boa reprodutibilidade das medidas feitas pelo RetinaLyze. Isso sugere que o software possa ser uma boa ferramenta para o seguimento dos pacientes, o que seria relevante tanto para o oftalmologista generalista quanto para o especialista. Isso é importante porque mesmo nós, especialistas em glaucoma, temos dificuldade em documentar quais pacientes estão progredindo e quais estão estáveis ao longo do tempo”.

Em sua experiência de mais de um ano com o software, a equipe do Dr. Tiago realizou um estudo piloto que avaliou olhos consecutivos, com ou sem glaucoma, com o objetivo de identificar qual o número de pacientes que poderiam ser analisados pelo software. Neste estudo foi detectado que menos de 5% não puderam ser analisados, ou seja, em mais de 95% dos olhos foi possível utilizar a análise por meio do RetinaLyze13.

Por fim, Dr. Tiago ressaltou a relevância da intercambialidade das análises, que podem ser comparadas mesmo se feitas em retinógrafos diferentes: “Um ponto muito positivo dessa tecnologia é que ela ‘conversa’ com diferentes aparelhos de imagem (retinógrafos digitais). Quando pensamos, por exemplo, na tomografia (OCT), sabemos que as medidas não são intercambiáveis entre as diferentes marcas. Nesse caso, quando ocorre a troca da marca do aparelho, é preciso começar o seguimento do paciente novamente (perde-se todo o histórico do paciente)”.

O uso de inteligência artificial na medicina vem trazendo muitas novas ferramentas para a oftalmologia. Por exemplo, softwares para detecção de retinopatia diabética e degeneração macular relacionada à idade já são uma realidade. Com a adição do RetinaLyze, a prateleira de ferramentas para detecção e acompanhamento do glaucoma se torna mais completa, com um exame simples, objetivo e acessível a todos os oftalmologistas interessados na novidade.

                Ao clicar aqui, é possível acessar uma aula na qual o Prof. Dr. Tiago Prata explica sua experiência com esta nova tecnologia. Além disso, os interessados em testar o software RetinaLyze gratuitamente podem achar mais informações de como obtê-la clicando aqui.

 

Referências:

  1. American Academy of Ophthalmology. https://www.aao.org/eye-health/diseases/what-is-glaucoma. Acesso em 13/11/2019.
  2. Bonomi L, Marchini G, Marraffa M, Morbio R: The Relationship between Intraocular Pressure and Glaucoma in a Defined Population. Ophthalmologica 2001;215:34-38. doi: 10.1159/000050823
  3. Keltner JL, Johnson CA, Quigg JM, et al. Confirmation of Visual Field Abnormalities in the Ocular Hypertension Treatment Study. Arch Ophthalmol. 2000;118(9):1187–1194. doi:10.1001/archopht.118.9.1187
  4. Werner EB In discussion of: Schulzer M, and the Normal-Tension Glaucoma Study Group. Errors in the diagnosis of visual field progression in normal-tension glaucoma.  1994;1011595
  5. Hernández, M.G. (2018). Hemoglobin measurement in the optic nerve head using the Laguna ONhE program Comparison with Spectralis OCT and image quality dependency. Presented at 13th EGS Congress in Florence, Italy held on 19-22 May 2018.
  6. Jeoung JW1, Kim TW, Weinreb RN, Kim SH, Park KH, Kim DM. Diagnostic ability of spectral-domain versus time-domain optical coherence tomography in preperimetric glaucoma. J Glaucoma. 2014 Jun-Jul;23(5):299-306. doi: 10.1097/IJG.0b013e3182741cc4.
  7. Li, Tianjing, and Henry D Jampel. “Imaging the Posterior Pole in Glaucoma: Necessary But Not Sufficient.” Ophthalmology vol. 123,5 (2016): 926-7. doi:10.1016/j.ophtha.2016.02.020
  8. Cristina Pena-Betancor, Marta Gonzalez-Hernandez, Francisco Fumero-Batista, Jose Sigut, Erica Medina-Mesa, Silvia Alayon, Manuel Gonzalez de la Rosa; Estimation of the Relative Amount of Hemoglobin in the Cup and Neuroretinal Rim Using Stereoscopic Color Fundus Images. Invest. Ophthalmol. Vis. Sci. 2015;56(3):1562-1568. doi: https://doi.org/10.1167/iovs.14-15592.
  9. Gonzalez-Hernandez D, Diaz-Aleman T, Perez-Barbudo D, Mendez-Hernandez C,de la Rosa MG, et al. (2018). Segmentation of the Optic Nerve Head Based on Deep Learning to Determine its Hemoglobin Content in Normal and Glaucomatous Subjects. J Clin Exp Opthamol 9: 760. DOI: 10.4172/2155-9570.1000760
  10. Gonzalez-Hernandez, Marta et al. (2017). Reproducibilidad de la aplicación laguna onhe con segmentación automática de los límites de la cabeza del nervio óptico, excavación y anillo neuroretiniano: validación de nuevos algoritmos.
  11. Mendez-Hernandez C, Rodriguez-Uña, Gonzalez-de-la Rosa M, Arribas-Pardo P, Garcia-Feijoo J. Glaucoma diagnostic capacity of optic nerve head haemoglobin measures compared with spectral domain OCT and HRT III confocal tomography. Acta Ophthalmol. 2016 Nov;94(7):697-704. doi: 10.1111/aos.13050. Epub 2016 Apr 30.
  12. Mendez-Hernandez C, Garcia-Feijoo J, Arribas-Pardo P, Saenz-Frances F, Rodriguez-Uña I, Fernandez-Perez C, Gonzalez de la Rosa M. Reproducibility of Optic Nerve Head Hemoglobin Measures. J Glaucoma. 2016 Apr;25(4):348-54. doi: 10.1097/IJG.0000000000000160.
  13. Aline Sousa, Carolina Carvalho, Ana Luiza Scoralick, Diego Dias, Carolina Gracitelli, Syril Dorairaj, Augusto Paranhos Jr, Fabio Kanadani, Tiago Prata. Diagnostic Performance Of Optic Nerve Head Hemoglobin Levels Measurement In Eyes With Early Primary Open-Angle Glaucoma. Presented at The Association for Research in Vision and Ophthalmology (ARVO) Congress in Vancouver, Canada, 2019.

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