Carmignac: Os próximos passos para investidores

São Paulo 13/4/2020 – “Um cenário de desequilíbrios orçamentais fortes e duradouros pode surgir e resultar numa desconfiança em relação ao papel moeda”, Didier Saint-Georges

Assim como o sacrifício dos profissionais de saúde e a disciplina de cada um de nós será bem-sucedida, apesar das condições extremamente difíceis em que a epidemia será superada, gestores de ativos não devem abdicar do foco na gestão de risco e nas convicções de longo prazo.

Há um mês, a Carmignac resumiu a situação dos mercados em quatro observações: Esta crise é um cisne negro, por ser imprevisível e com impacto extremo; Os países ocidentais entrariam na fase de propagação exponencial da epidemia, em alguns casos subestimando o risco; Os governos não têm outra escolha senão adotar medidas de precaução extremas que serão devastadoras para a economia; Os mercados estão fragilizados pelos dez anos de contenção da volatilidade e de subvenção do custo do capital pelos bancos centrais.

O choque necessitará soluções monetárias e orçamentais, sendo que os Estados Unidos deverão antecipar a ação mais rápida. A FED retomou rapidamente um programa de flexibilização monetária ilimitado, depois de hesitação, o Banco Central Europeu fez exatamente o mesmo, e o Congresso dos EUA fechou um plano de apoio orçamental sem precedentes.

A curto prazo, estes desenvolvimentos permitiram levantar uma parte das coberturas inicialmente implementadas. Mas estas decisões foram indispensáveis e constituem uma medida das tensões que prevalecem não apenas nos mercados de ações, mas também nos mercados de taxas de juros.

A primeira fase está chagando ao fim. No mês passado, tanto os profissionais de saúde, como os políticos e os mercados tomaram medidas adequadas com bastante atraso, devido a vários vieses psicológicos. O primeiro é um modelo mental que tenta ligar um fenômeno novo a uma experiência passada, como a gripe sazonal ou o SARS, uma dificuldade em reconhecer a realidade do problema, ou a incapacidade de captar a trajetória de crescimento exponencial, com taxa de 27% e duplicação a cada três dias. Assim como em 2008, a reação tardia pode ser ainda mais devastadora para a economia.

Em seguida, ocorreu o viés “endo-grupo”: ao subestimar a interconexão do mundo, levando a situação na China a ser vista como distante e sem implicações para a Europa; depois a situação italiana e europeia foram negligenciada pelos Estados Unidos. Por fim, uma forma de pensamento macaqueador levou um número muito grande de investidores a estabelecerem-se no conforto anestésico das tendências, por mais artificiais que fossem.

Quanto aos mercados, os dez anos de queda das taxas de juros e da volatilidade foram apresentadas como uma nova normalidade, permitindo tomadas de risco excessivas e fortes efeitos de alavancagem. A velocidade da correção do mercado de ações desde o início do ano, de 20% e 30% em média, reflete uma tomada de consciência séria.

Porém, uma quantificação confiável do choque econômico imediato e de longo prazo ainda é muito delicada, pois nenhum modelo convencional é realmente capaz de medir o impacto real do confinamento de 40% da população mundial em quase 80 países, incluindo 70% da população dos Estados Unidos, por um período indeterminado.

Apesar do cuidado necessários, os investidores já devem começar a refletir quais serão os próximos passos. Esta crise ocorreu num contexto financeiro de grande importância: os bancos centrais aproximavam-se do ponto de exaustão da sua ação sem nunca terem conseguido, particularmente na Europa, reposicionar as economias para as taxas de crescimento real e inflação anteriores a 2008.

Nos últimos dias, os bancos centrais apostaram todas as suas fichas para tentar restabelecer o funcionamento normal dos mercados de dívida, tanto públicos como privados. Ainda assim, os bancos centrais, mesmo que ainda sejam capazes de preservar a integridade do sistema financeiro, não podem afirmar ser a força motriz por trás de qualquer recuperação econômica.

Assim, inicia-se uma nova era na qual os governos terão de fornecer a maior parte do esforço de recuperação, e já estão fornecendo rendimentos de substituição durante o período de inatividade econômica. No entanto, dada a situação financeira precária em sua maioria, o resultado desse financiamento surgirá em breve. Uma forte carga tributária sobre o setor privado seria contraproducente, e os cortes no setor público seriam social e politicamente inaceitáveis. Consequentemente, pode surgir um cenário central em torno de desequilíbrios orçamentais fortes e duradouros, que obrigarão os bancos centrais a comprarem a dívida pública de modo a manter os custos de financiamento em níveis toleráveis.

Essa mudança de regime para o agravamento dos déficits financiados diretamente pelos bancos centrais a taxas muito baixas seria complicada no caso do ressurgimento das previsões de inflação. Uma outra ramificação poderia assumir a forma de uma crescente desconfiança em relação ao papel moeda, que será agora impresso abertamente para financiar os déficits públicos. Isto pode abrir uma porta a uma fase de instabilidade monetária, em que os ativos reais e o ouro sairiam beneficiados.

O futuro também pode ser caracterizado por uma forte histeria de comportamento, após o choque de confiança sofrido por todos os agentes econômicos. É provável que as pessoas queiram aumentar a poupança líquida no futuro, os governos queiram relocalizar a produção de bens considerados “estratégicos”, as empresas queiram desistir de cadeias de fornecimento just-in-time e os investidores queiram redescobrir as margens de segurança quando assumem riscos. Perspectiva não propícia a um aumento das margens das empresas, nem a uma recuperação em “V” da atividade econômica global, uma vez terminada a crise de saúde pública. Para os investidores, poderá significar o fim da gestão passiva e redescoberta dos méritos de uma gestão ativa, capaz de gerir os riscos de mercado e de selecionar empresas que se diferenciam a longo prazo.

A instabilidade dos mercados deve continuar, e a melhor estratégia é alargar a cobertura de risco a todas as classes de ativos. As carteiras de ações subjacentes são muito estáveis, em grande parte são ligadas a transformação digital em setores diversificados como a distribuição, alimentação, saúde ou entretenimento, especialmente em jogos na Nuvem.

A China, se beneficiando da queda dos custos energéticos e do colapso do turismo chinês no estrangeiro, é um terreno de investimento privilegiado nestas áreas, graças a estrutura econômica interna. Finalmente, a redução do risco sistêmico pelos bancos centrais permitiu compras de rendas fixas de empresas em boas condições.

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